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Por Luiz Claudio Ferreira, da Ag�ncia Brasil

22/12/2023 10h45 Atualizado 22/12/2023

�Se descesse do c�u um anjo e dissesse que a minha morte ajudaria a salvar a Amaz�nia, morreria de bom grado. Mas a hist�ria tem nos mostrado que n�o s�o atos p�blicos numerosos e concorridos que v�o salvar a Amaz�nia. Por isso, eu quero viver�. As frases de Chico Mendes s�o declamadas e n�o saem da mem�ria do grande amigo, companheiro de luta e assessor, o engenheiro agr�nomo Gomercinco Rodrigues, o Guma.

Hoje, aos 64 anos de idade, ele lembra com detalhes, ainda emocionado, sobre a conversa que teve no dia do assassinato do ecologista, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri, no Acre, h� exatos 35 anos, e tamb�m sobre o legado imensur�vel do l�der seringueiro.

Afinal, foi na tarde daquele 22 de dezembro de 1988 que Guma havia encontrado Chico Mendes e conversado sobre o futuro dos trabalhadores rurais, mas tamb�m sobre preocupa��o com a seguran�a do ativista. �Eu estive com ele minutos antes do assassinato na casa dele. Eu falei para ele que estava preocupado (por causa de movimenta��o de pistoleiros)�, relembra.

Depois que deixou a casa, Guma soube que o amigo havia sido alvejado por um tiro de espingarda no peito quando sa�a para tomar banho. A investiga��o levou �s pris�es de Darcy Alves da Silva, que teria cometido o crime a mando do pai, o fazendeiro Darly Alves da Silva.

Quando Guma retornou � casa de Chico Mendes (minutos depois), ele estava sendo socorrido. �Na cidade (de Xapuri), havia poucos carros. Eu voltei correndo e sa� de moto pela cidade procurando ajuda�, recorda. Foi em um ve�culo de um vereador de cidade que Chico foi resgatado. Mas morreu logo depois no hospital. �Comecei a ligar para as pessoas para dar informa��o. Eu estava chorando�.

Investiga��o

Com receio da impunidade, naquela mesma noite, ele e outros ativistas criaram, no Acre, o Comit� Chico Mendes para cobrar das autoridades uma investiga��o c�lere e puni��o aos culpados. �Eu acompanhei a reconstitui��o. Eu fiquei com d�vidas. Havia provas contra os envolvidos, mas existia gente que apoiava e que financiava. Nesses, nunca se chegou�, observa.

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A atual coordenadora do Comit� Chico Mendes � a filha dele, a ativista e militante socioambiental �ngela Mendes. �A ideia do comit� surgiu, na verdade, na noite do assassinato do meu pai, como uma estrat�gia de mobiliza��o da sociedade para pressionar pela puni��o dos criminosos. Havia um cen�rio de medo e impunidade�, argumenta. Um cen�rio, ali�s, que vigora at� hjoje, 35 anos depois.

Em setembro de 2023, a organiza��o n�o governamental Global Witness divulgou que - um em cada cinco assassinatos de defensores da terra e do meio ambiente no mundo (crimes registrados no ano passado) - ocorreram na Amaz�nia. No Brasil, foram 34 assassinatos no ano passado (incluindo o indigenista Bruno Pereira e o jornalista brit�nico Dom Phillips) e 26 em 2023. Na d�cada, 376 ativistas morreram no Brasil. Leia mais aqui.

�Naquela �poca, n�o era diferente. Para que isso n�o ficasse no esquecimento, os companheiros e companheiras, na noite do assassinato, criaram esse espa�o de mobiliza��o, mas tamb�m de acompanhamento de casos como o do Chico Mendes e do seringueiro Wilson Pinheiro (assassinado em julho de 1980)�, afirma �ngela Mendes. Desde ent�o, entre 15 de dezembro (data de anivers�rio de Chico) e o dia 22, o comit� realiza uma semana de mobiliza��o para tratar sobre a situa��o atual dos trabalhadores da floresta.

�ngela tinha 19 anos de idade e estava em Rio Branco quando recebeu a not�cia da morte do pai. Ela estava na casa dos tios, com quem conviveu mais tempo. Ela foi criada na capital do Acre com os familiares para estudar e acabou se aproximando mais de Chico Mendes no final da adolesc�ncia.

�Depois que ele foi assassinado, um amigo do meu pai disse que a inten��o dele era que eu fosse para Xapuri trabalhar com ele no sindicato. N�s fomos nos reaproximando e tentando recuperar esse tempo que a gente ficou distante. Ele era um pai muito carinhoso. Ele me tratava muito bem, assim como tratava meus dois irm�os�, recorda.

Enquanto �ngela buscou atuar pela causa ambiental, o amigo Guma fez um curso de Direito para se formar advogado e lutar de outras formas contra a impunidade e viol�ncia que atingem os trabalhadores rurais. �Como advogado, eu j� atuei muitas vezes em causas que come�aram l� naquela �poca. Atuo at� hoje em processos de direito de posse, por exemplo�, exemplifica.

Legado

No entender da filha e de Guma, o legado mais importante de Chico Mendes foi a ideia �revolucion�ria� da cria��o de reservas extrativistas, algo que s� vigorou ap�s a morte do sindicalista. �� um modelo de �rea protegida com seguran�a jur�dica e f�sica para as pessoas�, opinam.

A proposta que nasceu do seringueiro se espalhou pelo Brasil ap�s a morte dele. O Minist�rio do Meio Ambiente considera Reserva Extrativista como um tipo de unidade de conserva��o de uso sustent�vel. "Est�o baseadas na agricultura de subsist�ncia e cria��o de animais de pequeno porte. Tem como objetivos b�sicos proteger os meios de vida e a cultura dessas popula��es (...)", indica o minist�rio.

�ngela Mendes entende que as reservas, al�m de serem eficazes no enfrentamento e no combate � crise clim�tica, tamb�m s�o muito eficazes na manuten��o da vida e dos direitos das pessoas em seus territ�rios.

�Precisa que o poder p�blico cumpra com o seu papel de, atrav�s da constru��o, da cria��o e da disponibiliza��o de pol�ticas p�blicas para esses cidad�os, sejam garantidos servi�os e qualidade de vida�, diz �ngela. A primeira reserva foi criada em 1990, no Alto Juru�, dois anos depois da morte de Chico Mendes.

�Oficialmente, s�o 66 reservas extrativistas sob gest�o do governo federal. De gest�o estadual, oscilam entre 40 e 50. [Elas] est�o nessa m�dia. Essas reservas extrativistas prestam esse papel importante como modelo de desenvolvimento sustent�vel�, enfatiza. O que come�ou com os seringueiros ganhou outras caracter�sticas como as reservas extrativistas marinhas�.

Revolu��o

Para o engenheiro agr�nomo Gomercindo Rodrigues, trata-se de uma a��o revolucion�ria. �Eu acho que � esse o grande legado. N�o � algo s� aplicado � Amaz�nia. S�o bens marinhos, ou no mangue ou com as quebradeiras de c�co. � um modelo que n�o prop�e que os lugares sejam santu�rios, mas sim que aqueles locais possam ser explorados pelas popula��es tradicionais que j� conhecem para us�-los sem destru�-los�. Ele recorda que a ideia da reserva extrativista foi lan�ada no primeiro Encontro Nacional de Seringueiros, de 10 a 17 de outubro de 1985, em Bras�lia.

Para Rodrigues, que passou a pesquisar os efeitos das reservas, a proposta � de desenvolver sem destruir. �Essa � uma grande discuss�o das mudan�as clim�ticas. Desenvolver sem aumentar a polui��o, sem aumentar a emiss�o de gases poluentes. Isso foi vision�rio. Chico sempre foi algu�m � frente do tempo dele�, disse Rodrigues, que � autor do livro Caminho da Floresta. Como ativista, participou das t�cnicas de empate (quando trabalhadores enfileirados ocupam a floresta para tentar evitar o desmatamento). �Eu caminhei muito pelos seringais�, recorda.

O agr�nomo Gomercindo elenca ainda outro aprendizado com Chico Mendes: o poder de estabelecer alian�as. �Ele sabia que n�o se conseguia nada sozinho�, relembra. Ele acompanhou a implementa��o, por exemplo, do projeto Seringueiro, em 1986, que era desenvolvido para alfabetiza��o de adultos e tinha como uma das metas criar cooperativas.

Preserva��o da mem�ria

Para a ativista �ngela Mendes, essa habilidade dele em conseguir reunir diferentes grupos fez a diferen�a. Para ela, empres�rios conseguiram criar rixas entre trabalhadores, mas o pai era perspicaz em mostrar que todos deveriam atuar juntos. �Ind�genas, ribeirinhos, quilombolas, pessoas moradoras das periferias, das cidades, de popula��es que sempre estiveram � margem dos direitos, sempre invisibilizadas�, enfatiza.

Ela explica que o Comit� Chico Mendes atua, tamb�m, na preserva��o da mem�ria e contra o apagamento da hist�ria do l�der sindicalista. �Nos �ltimos anos, tentaram reduzir a import�ncia do Chico Mendes. A casa dele, que � um memorial em Xapuri, ficou fechada, sendo reaberta apenas em 2023. A est�tua dele, no centro da cidade, foi deliberadamente jogada ao ch�o e s� voltou a ser erguida por um movimento que n�s fizemos�, revela.

A luta da m�e encanta a filha desde a adolesc�ncia. Tanto que Ang�lica Francisca (em homenagem ao av�) Mendes, de 34 anos, � bi�loga e cursou mestrado e doutorado no campo da ecologia.

Ela atua como analista de conserva��o na Organiza��o N�o Governamental (ONG) internacional WWF. �As reservas extrativistas s�o um modelo de unidade de conserva��o de uso sustent�vel. Mas eu acho que a maior li��o que ele deixou para mim � a esperan�a. Ele foi um agente de luta�, enfatiza. As li��es de n�o desistir, persistir nas dificuldades e conseguir cativar aliados iluminam os olhos da neta.

A pesquisadora lembra que a m�e atuava numa ONG chamada Centro dos Trabalhadores da Amaz�nia, que fazia assist�ncia de t�cnica, de sa�de e de educa��o para a regi�o. �Eu tinha muito isso na cabe�a. Eu queria fazer alguma coisa parecida. Por isso, resolvi fazer Biologia�.

No trabalho dela, na WWF, participa de um projeto de sensibiliza��o para a Amaz�nia. �Eu estou trabalhando como coordenadora do projeto Vozes pela A��o Clim�tica Justa. Ele ocorre em sete pa�ses e tem v�rios parceiros aqui no Brasil�.

Pela mem�ria do av�, pela luta da m�e, a bi�loga pratica o que foi ensinado em fam�lia. �A gente n�o est� sozinha. N�s temos na Amaz�nia aqui uma juventude tamb�m potente que est� junto com a gente nessa luta�, finaliza.

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